sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Preâmbulo

“No Contra pé do Goleiro”é pra ser levado
em conta. Foi o que confidenciou Escarafacho
a um amigo, minutos antes de decidir postar os
fragmentos recém copilados de um catatau avulso
( que nada tem a ver com o Livro “Catatau” de Paulo
Leminski). Abandonado por uma afegã
de unhas vermelhas, em pleno bazar de Cabul,
tendo sobrevivido a uma burca preta e sua tela
de visão, achou-se perdido e recompensado por
não valer grande coisa, afinal, da aldeia de onde
fora lançado ao mundo por obra de um grito
de socorro de uma empregada doméstica da Ilha
das Canárias, nada fazia sentido, principalmente
voltar à terra natal, uma vez que o filho que volta
é aquele que não deu certo na viagem de ida.
De posse dessa filosofia, Escarafacho abriu sua
caixa de ferramentas e foi brincar à moda On the Road,
seres precursores da geração beat, criadores
da escrita espontânea. Ele mesmo, enquanto nascia
nos anos cinquenta, ouvira o Uivo de Allen Ginsberg
ecoar de uma galeria em San Francisco, foi sua
primeira premonição. Depois disso saiu nas pegadas
de um guaxinim e nunca mais se achou. Mesmo em casa
era um estranho, um boto que em noites de lua passeava
por praias de areias brancas às margens do Tapajós.

I

Onde vou parar, onde vou
não importa mais a fonte,
tudo gira e gira no grande
parque de brinquedos eletrônico:
eu robô, você robô apertando
os botões, abotoando a camisa;
todos sabemos da palavra dita
quando convém, amém!
E segue o cortejo em busca
da obra perfeita, do fato novo,
embora digamos não, não, sonoro
no soro de todo dia, não importa
que eu saiba, o outro precisa
saber e ficar convicto, o outro
sempre depois de mim, sempre
paráfrase de mim mesmo, plágio de
mim, do eu que ergui: ainda serei
de bronze maior do que sou.

II

Vou mais além, nada disso
importa: seguir atravessar
versar sobre quase tudo e tudo mais
um pouco depois de quem já foi
ao inferno por uma mulher e contou
do fogo e dos amigos e inimigos
nem tão fantasmas como agora, Dante
e antes esse inferno com os seus;
vejo-os atrás das películas escuras
acenando, não sendo possível
reconhecer em público enquanto
passam e passamos todos cheios de graça
na caça à raposa, à fêmea nova
virtual, ao macho, tudo igual como sempre foi
e depois de ter deixado o esforço
para depois, esquecer; o leite do gato
em Lady Vestal (quem bebeu?). Quem brindou
ao Gigolô de Bebelôs: já acordo
me sentindo cansado, disse o poeta; vamos
lá, essa merda vale a pena e a pena é verde.

III

Nem bem nasci e todo dia é dia
de ir adiante, embora para alguns
nem sempre seja o que é; cada vértice
separa pra si a melhor parte da figura
e lá adiante, na dobradura, onde bifurca,
cada um segura a sua onda de viver,
a barriga cheia de percalços,
como quando o sapato aperta o calo
e eu calo para o vizinho esquecendo
o lixo dormido e dando bom dia;
por mais que olhe em volta, só vejo
o umbigo, poço de narciso, alvo que
me liga ao fato de ter um cordão de puxa
sacos sempre tão maior quanto a sombra
procria; o zelo especial em ser o que é, é
um sinal, um alarme que soa como quando
o galho toca a cerca elétrica e o sonho
vira pesadelo com trilha de latidos;
siga os próprios rastro e entenderás o que digo,
assim, no contra-pé do goleiro.