quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Terra da gente

Terra da gente arde no pé,
é um não sei tantas vezes
quanto perguntar.
Longe todo mundo quer voltar,
coisa de umbigo enterrado,
dente no telhado.
Um dia você vê na terra alheia
o que não via
e se expatria até os pecados:
os rastros ficam lá,
menores que os sonhos.

Preâmbulo II

IV


Não basta. Falta e sobra nas dobras
do lençol, da calça e vamos pisando
o velho caminho da herança furtiva
sem desejar que nos vejam, sem que
tenhamos aberto a própria picada e os
insetos estejam sempre à procura da luz
e se faça dia e dias que ninguém se dá conta
da conta que outros pagam em favor
do favores nosso de cada dia; e a cada dia
seguimos adiando e passando nossa herança,
pais para filhos, até o fim: um desvio é uma
vergonha vermelha até esquecermos embaixo
do tapete o lixo da sala de visitas, melhor nem
pensar,atrás da moldura a dura estaca de espetar
vampiros; meu coração, quem pôs as mãos,
patas para reanimá-lo, animal de músculo endurecido
de não sofrer? E é como escolher, mas já não é
tempo de colher, toda a safra já foi vendida, estocada
para na próxima fome alcançar o maior preço.
O apreço em dedicar um desejo não tem serventia.


V


O último sou eu. Apago a luz, fecho a porta
por nós e vou rir das bravatas, fazer bandeira
de São João com gravatas, tuas e minhas; adivinha
que em terra de rei um olho cego é Camões:
olho de vidro para ele, com quis Paes no poema
e nem sei com quantos pemas se faz uma lagoa.
À toa, à toa com disse a andorinha da vida boa
que passou pelo Bandeira. A cidade é pequena,
provinciana com seus ingleses em bronze,
benfeitores com patente, pioneiros de louça e moças
católicas iniciadas em letras e prendas do lar:
centros de mesas e os papéis dando conta da exportação
de cera; antes era a carne de boi e a lama nas botas
e a fé inabalável no novo mundo. De onde viemos não
fomos longe, paramos aqui, onde sempre estivemos
de frente para o atlântico esperando o milagre.



VI


Do mar o sargaço, pés cobertos de espuma, escuna
que partiam e chegavam, lendas de linho e lenços,
carvão para as fornalhas. Enquanto eu estava por aí,
espectro, espírito sabe-se onde e em quem, vagando,
na fila à espera da vez de atracar essa nau de ossos
e correr para o ofício de desentender e abrigar-se em
terra alheia seguidas vezes ,como na Bahia
em agosto de 1981, a notícia da morte de Glauber em
um beco escuro onde só a voz do locutor me alcançava
e esquecia; em Teresina nas mesas da Punaré enquanto
desenhava o país com o Giz de Brecht e Darcy Ribeiro
no chão da sala da minha casa em Timon: “largue esse
negócio de índio de mão, escreva sobre futebol,
carnaval...” tantos anos atrás o Humor Sangrento
de Arnaldo Albuquerque num casebre em São Cristovão,
os longos cabelos de Helena. Quem tem as suas histórias,
vida espalhada de pernas pro ar e cacos de vidros próximos ao
pulso sem saltar pro lado de lá, e mergulhos profundos sempre
voltando à tona para respirar o caos e o tao mesmo que você
se ache um equivoco: “inventaria-te antes que os outros te
transformem num mal- entendido” como Rogério Duarte
ouviu do Glauber.



VII



Foi calando de desgosto, adquiriu travo
como caju rançoso e moldou o olhar à moda
dos mouros diante das espadas e voltados
para Ala; só de olhar já delineia o campo de pouso
do individuo ou mariposa. Tudo para proteção do
restinho de lucidez e compaixão que ainda reserva
ao próximo. Quem vem lá? Já não diz e quis que assim
os filhos o seguissem, cada uma no seu feitio de índio
ou negro, conforme matriz. Agora essa de ver tudo em 3D
como quando o cabra não é grande coisa e na aparência
veio de Roma com a boca cheia de dobrados e o lábio de beijar
a mão do papa para ir adiante com sua fama de Pasolini,
sendo que sequer deitou no feno ou no cargueiro lavou o
porão. Deus pai perdoe os pecados dos puros e impuros e dos
bestas às avessas sendo que no mercado toda bosta tem um
preço.



VIII



Ao fim da festa ouço um jazz como fonte
inesgotável de diferentes cultura numa fusão
de tropeço e arranhaduras e notas que entortam
e levantam para arremessar para além do claro escuro
o que apenas se revela no momento exato em que se dobra,
e não é nada que seja possível carregar, apenas
Buddy Bolden com seu trompete, sendo a alma o transporte
possível para a propagação natural da música em estado
original, como o pecado que abriu as portas do prazer
no paraíso de Adão e Eva. O Jazz é a mordida da maça da música.
Escarafacho toma sopa de jazz sempre que se reporta
ao bairro operário da Coroa, onde outrora mulheres
deslizavam em salões de assoalhos brilhando de cera
Moraes.