sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Um para o outro

o tema teima em ser drama
o lema propõe o preceito

a lesma teima em ser lesa
a impressão quer ser real.

A lesão acumula o dano
o lenço assume o linho
o leque deseja o vento

o aceno fica no tempo
onde o olhar pousou,
extinto.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sobre as pequenas coisas

Diminuir de tamanho,encolher, amiudar,
até que soprá-las seja possível.
Primeiro, destituí-las de suas pretensões
no momento em que se interpõem, depois extenuá-las
em suas próprias imperfeições de inoportunas.
Pequenas coisas nos enganam, nos distraem enquanto
crescem na língua alheia.
Caso queira, você também pode deixar o inimigo
falando só.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Acidente de percurso

Agora que você se foi, estou aliviado.
O que ficou pra depois não vale a pena.
O tempo foi um tutor cansado
que me fez mendigar tardes velozes.
Abreviar meus passos foi como voar.
Seus horizontes enganam
como os lagos artificiais.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A Lamparina

A mulher sempre bota o peão pra rodar.
Baudelaire dedicou “ Os Paraísos Artificiais”
a ela, “a mais comum fonte das mais naturais volúpias”.
...” a mulher é o ser que projeta a maior sombra e a maior luz
nos nossos sonhos.”
Recordo da noite, que, furtivamente invadi
uma caverna para roubar da mão de um homem de camisolão, uma lamparina.
Ele vivia seu ideal de condições para exercer o ato criador
e interrupto de escrever. Junto com ela vieram algumas reticências de um escrito interrompido e a figura da mulher como “leitora em sentido puro”.
O escrito roubado lembrava um coito interrompido a la Mondero, num bar de Os Detetives Selvagens. E a depender do ponto de observação, um original do estilo “sedução pela letra”.
Caminhei com a lamparina na mão até o vento apagar. Nenhuma mão feminina me veio toma, para que o resto da noite fosse dela ou da insônia..
Nunca sei onde quero chegar. Talvez apenas passar, como um clarão de pavio curto, suficiente para iluminar um quintal e espantar mucuras; vivo de assombros e assobios...
Como uma vela de festa a lamparina voltava a iluminar por si mesma, intermitente, toda vez que o vento sobrava e novas vozes ecoavam.
Percebi que não era uma lamparina comum e, de algum modo particular, estaria associada a uma dama pelo resto da vida, como uma fatalidade: atravessar o tempo com um fantasma de saias.
Descobri que além de todas as peças roubadas vieram aspas, para remeter à quem de direito aquilo que encontramos no outro.
Pensei no direito canônico de existir à deriva e à margem, contabilizando fagulhas nos dormentes queimados. Seguia buscando coragem para mudar de vida.
Meu lado afoito tinha pegado fogo, e o outro, chamuscado, batia a tisna preta.
Ocorreu-me de escrever com a segunda metade, algo que me recolocasse no fogo. Afinal, se falava tanto na morte da poesia que cheguei a vomitar parágrafos inteiros. O mau cheiro da prosa só recende depois da morte.
Restava-me devolver a lamparina de K; restava-me concluir Bolaño e, quem sabe, compreender melhor “O Último Leitor”. Estava cansado de Felice Bauer, de roer unhas sem resposta alguma; de colecionar mitos, de Isolda a Leila Diniz...
Soprei a chama e encostei a cabeça no cepo: a noite seria longo e eu esperaria.
Pensei no russo de gravata amarela. Antes, porém, reli
LIlitchka! , numa tradução do Augusto: “Amanhã esquecerás/que te pus num pedestal,/que incendiei de amor uma alma livre,/e os dias vãos – rodopiante carnaval -/dispersarão as folhas dos meus livros...

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Achados & Perdidos

Coisas se perdem quando não cuidamos,
ganham contorno de pequenas lembranças,
até caírem na total falta de importância.
Para algumas é o caminho natural,
outras deixam um vazio incômodo.
E seguimos tão autossuficientes
que chega a doer. O pior é que vicia.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Constelar

quando já não somos
a tarde nos ensina:
se o corpo de um declara
para o outro que declina,
consta que constelar
trás o melhor clima.
mesmo que o consórcio
tenha falido sem decoro,
haverá alguma estrela
prateada no choro:
quando já não somos
uma chuva leve
parece tempestade.