segunda-feira, 29 de março de 2010

Escarafacho: o tempo que o tempo tem

Mais fora do contexto do que
o normal. Esse dom de extrair-se,
saltar para fora da bolha, insinuar
o fora de foco, para depois pegar
o primeiro trem, é dele: Escarafacho.
Um exímio matador de tempo, onde
orelhas são digeridas sem intenção de
compra; pernas tatuadas são lidas
em contraponto com o andar; gestos
de anônimos catalogados ao lado
de olhares, tudo em nome da curiosidade.
Quem é quem? Diz o quê? Sobre para
onde segue o assunto e que linha anterior
apontou... Mal abre a boca. Tem medo
que as palavras escapem. Já os olhos
lanceiam sem que sejam percebidos.
Foi nesse clima de curiosidade S/A
que ele passou a tarde na Av. Paulista
esperando a chuva, previamente anunciada
nos telejornais.
Quantos andariam assim, parecido com
fumar nas calçadas, longe das marquises
e toldos de lojas... Difícil é cada um não
buscar um tempo extra, fora do marca-passo
financeiro, quebrando o ritmo da ciranda que
não é de Lia.
Há algo de triste no observador. Talvez
seja o olhar bebendo outros, misturado à
melancolia. Poucos riem na rua, o que já
bastaria como o grafite.
No balcão do Café Viena, um gosto de menta
numa medalha de chocolate. O forte do Expresso
é o tempo e o amargo que sobrevive. Você pode
até ser esquecido, não faz a menor diferença.
O mínimo tempo fora do contexto, sim. Com um
olhar que não cria tipos. Sentou no último banco
do Pompéia e olhou o relógio. Haverá outro modo
de se aprender a olhar o tempo, que não seja pela
janela de um ônibus urbano, pelo olhar de outro
que assim como ele, sabe, que logo mais sentirá
saudade. Talvez o que tenha deixado pra depois
guarde a relativa novidade de não ter tido tempo
suficiente, para seguir à regra das visitas e abraços.
Chegou e foi, invisível, no tempo que lhe resta.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Pau para toda obra

Tudo posto, os sentidos ficam
por nossa conta: prego na parede.
Entortá-los, afiar suas pontas,
apontar para o ato do último átomo,
e o contrário, extrair matéria bruta
do particular que escapa,
é o pau de toda obra.

quarta-feira, 24 de março de 2010

terça-feira, 23 de março de 2010

Papo reto

Dizer o que se deve
como flora sem pressa a planta
que nunca mais foi vista:
ao que se deu por vencido, o fechado
em copas e ao que virou inimigo.
Tenho todos em mim sem prévio juízo,
alguns, sem cerimônias, devidamente
esquecidos.

Sopa

Você pode mirar-se
no arriado alumínio
de uma concha pendurada
na parede

Você pode achar que a vida
é tudo isso e aquilo

Sopa
é criar um verso
com letras de macarrão
no fundo do prato

depois
dizer que a fome passou.

sábado, 20 de março de 2010

Escarafacho vai a Sampa



Escarafacho andava medonho, triste consigo
mesmo, enfurnado na rotina de uma velha princesa
que lutava para ver reconhecidos seus 300 anos,
só davam-lhe 165, com data festiva em 14 de Agosto.
Para trás ficavam: ermidas, documentos portugueses,
enforcamentos, naufrágios e o sonho de um porto
marítimo aberto ao velho mundo.
Cansado, sofrendo da síndrome de tronco velho,
encastoava pequenas lembranças quando foi
cutucado com vara curta: “Que tal vir passar uns dias
em São Paulo? Eu mando a passagem e você pode
flanar por aqui entre livrarias, cafés, baladas,
Paulista, Consolação, Vila, Libertadores...”
Escarafacho ficou mudo com o coração plugado
entre a euforia e o atrapalho.
Noites sem dormir. Pega não pega. As galinhas
e pintos, quem cuidaria? São tão desastrados...
Mas o convite era um ultimato, considerando que
Sampa era sua segunda terra. A primeira “ardia
no pé.” Vez por outra tinha que correr.
Tirou quinze dias de férias no emprego temporário
e começou a fazer as malas e contas para sobrar algum.
Farinha de puba, cadeira preguiçosa, camarão, mel,
caranguejo, azeite de dendê direto do Quilombo e
duas pedras de Pedro II, ametista com cristal branco,
de 2kg cada, para escora de livros.
Por um triz ele não perde o voo, por puro atordoamento.
- Passageiros do voo 1571 com destino a São Paulo e
Londrina com escala no Rio de Janeiro queiram se
dirigir ao portão de embarque... Ele lia João do Rio
e mergulhara na “alma encantadora das ruas” com
seus ciganos, caça ratos e tatuadores na capital da
República do começo do século XX.
Assento 16D, embarque pela porta de trás. Um loira
ossuda veio informar que ele deveria operar a porta
de emergência da aeronave, caso precisasse, e se ele
não se achasse apto para a tarefa, que ela estaria
providenciando outro assento. Escarafacho, com
o manual na mão, se inteirava da mecânica e confirmava
sua aptidão para o heroísmo.
Logo estaria em São Paulo, abraçando seu editor e piloto
de garinni, gozando de sua companhia e hospitalidade.
Uma gata albina, surda e com um olho de cada cor
o esperava no apartamento da rua Diana, Perdizes.
Lá para o lado do Brooklin, uma índia preparava uma
festa à moda da nova tribo. Também ficaria por lá
uns dias, serrando troncos de árvores e flanando, como
era de se esperar. O homem agradecido tem o rastro fértil.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Alice


Por momento uma simples agulha
lhe impede de cerzi o céu.
Aí sim, ela resmunga e pede
a Deus por todo mundo.

Assim...

Num piscar de olhos se perde o prumo.
Um toque de ombro e o equilíbrio dobra
a esquina. Até você perceber, perdeu o rumo.

É como um ramo que vira adorno
quando florar seria primavera.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Descoberta

Foi chegando como quem desvia,
uma rota rota de trilhas sem objetivos,
e a mão descobre que pode ir além.
Então, alguém lhe previne: assim é perigoso!
E o gesto transformar-se num mal entendido.

terça-feira, 2 de março de 2010

segunda-feira, 1 de março de 2010

Ícones de barro

Como chamá-los para que percebam-se
na medida exata de suas
conquistas para inglês ver.
Não há nenhum Cabeza de Vaca
conquistando pelo abraço.
Provocarei aplausos e barulhos
para que aceitem suas carcaças
e me deixem em paz de uma vez.