quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O Psilo e a Psique


Na Pérgula da Graça
uma borboleta bateu asas
até esbarrar no parabrisas
de um velho Ford.
Vi minha alma ser carregada
até perder de vista.
Não esqueci como o olhar
engana: pensei ter visto
um psilo domando uma serpente.
O sol batia de frente
nas vitrines do Roland.

Quase oculto



Do sujeito que sou
o silêncio é a melhor parte
da festa – rir sem fazer parte
da farsa – onde tudo parece
drama.

Do sujeito às avessas
  que me tornei
não queira saber.



terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ato lúdico

 
atear fogo à lixeira
com papéis recém escritos:
versos, conclusões de improviso,
prosa sofrida, enredo para pensar
sem prazo previsto, não importa...
fico sempre devendo o próximo capítulo.


Bem - me - quer



Veja que confortável,
responder pelo tempo que sobra,
pela falta de um abraço que completa.
E os carinhos  todos meus,
clandestinos, como são os amantes.



segunda-feira, 30 de maio de 2011

O tempo de botas



O tempo
com suas botas
de sete léguas,
passos que não alcanço

O corpo busca alento,
a alma cansa
de ser o vento.


O fava contada

Quando um homem alimenta o inimigo com sua ira, sua vitória se distancia. Aponta um dedo, enquanto três apontam para si. O alvo se move e o inimigo se aloja no próprio peito. Ele não sabe, mas o carrega consigo, exaurindo suas forças, turvando a visão, enquanto rumina o ácido do que desejaria ter sido e não foi. Não se combate assim. Há de saber-se cavaleiro além da mira, e que alguns nem merecem serem lembrados, outros, perdoados. O maior inimigo é este que você mira no espelho, afaga, desejando todas as honras, e que não suporta ser contrariado. Quando um homem alimenta um inimigo assim, é fava contada.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Soar do Sou...

Sou o engano
  a mão vazia
  o trem fora dos trilhos
Sou a trilha na mata
  a alça de mira
  o estampido
Sou o ar do tísico
  o risco Brasil
  o precipício 
Sou a tinta de Volpi
  o pintor de parede
  a volúpia da carne
Sou a arte
  a trégua do tempo
  o passatempo
Sou o pó da cal
  a casa em ruína
  o musgo do sonho
O que não sou
  não importa,
  mesmo que você diga.
Sou a figa
  a figura rasgada
  a fissura
Sou a fresta na porta
  a resta de sol
  o olhar no escuro,
Sou o terço bizantino, a reza
  o desespero da fé
  a esperança cristã
  a caridade das almas
Sou a chama que apaga
  a mão que afaga
  o açoite
Sou o grito contido
  o sopro no ouvido
  o pro e o contra
  o desafio
Sou o discurso ilusório
  o curso do rio
  a verga latina
  o assobio
Sou a margem da margem
  o sumo da língua
  a pedra no caminho
  a pegada
Sou a espada de Ogum
  o fio da navalha
  o filho de Oxum
Sou mã-pai
  a folha que cai
  o ai da dor
  o outono.
Sou.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

O dom do pássaro

O amor é esse pássaro fugitivo,
canta no ouvido, aninha no peito
e voa no vento, como veio

O dom de ser eterno, de passar
com o tempo, de nascer do nada
de morrer de susto

amor meu de cada dia, sol, manhã
música, ternura de brisa, espinho
de rosa, poesia

meu amor onde não há sossego
sabe o que digo, a chuva fria
o abrigo da mão vazia.
......................................

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A mergulhadora

Que belo casulo
você me arranjou,
respirar por aparelho
no fundo do mar.

Todo esse peso sobre o corpo
enquanto as sereias nadam.

Deve ser terminal
esse disfarce
hermeticamente fechado
para quem um dia quis voar.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Fugaz

Por um instante
o teu cheiro exala
na essência do ar

teria sido mais
não fosse tanto
o vento de setembro.

A voz

A voz sabe o que canta
O canto não sabe o que diz
Um dia passa do outro
O outro passa por mim
O homem não sabe o que fala
A fala que cala não diz
O silencio diz quase tudo
do tudo que nunca quis.

Convite à contrição

No átrio da Catedral
Você molhada de chuva
Fazendo-me crer casual

Aos olhos da tarde
E aos olhos Da Graça
Já era tarde demais

A chuva fina
Pesou na alma
Apesar dos pesares.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Escarafacho e a desilusão no baralho



( Sinopse da saga de uma obscura dama de paus.)

I
Peça em alguns atos quase obscenos
em que uma dama de paus sai como bisca
num carteado de esquina. Baralho moído
de mãos sujas. O jogo não valia nada.

II
Os episódios de um são variantes dos
outros, como nos sinóticos. Aqui vale
a fantasia do clero na purificação do
batismo: Jesus não tem nada com isso.
Foi batismo de fogo na sarjeta.
a carta vôo em chamas pra lama.

III
Evocou o espírito Santo em língua
Celta de conto de fadas: quero ser
dama de ouro, trunfo na próxima
rodada. Quero o rei deposto...
Não foi atendida e perdeu a partida.

IV
Tentou ingressar no seleto círculo
das videntes, mas ao ler seu próprio
destino, caiu em prantos. O cavaleiro
amante de tantos sonhos era ilusão.
Mortificada foi trocada de mãos.

V
A dama era carta fora do baralho.
Um jogador abusou do jogo, saiu.
O outro lambuzou a carta com cuspe
e a pregou na testa. De quando em vez
a carta caía, e ele tornava cuspir.

VI
O jogo vicia, disse o Irmão pregador.
Grudar com cuspe ou esperma não
trás sorte ao jogador. E Kerouac disse:
“ Havia um poça com uma estrela brilhando
lá dentro, eu cuspia na poça, a estrela se apagava...”

VII
Escarafacho se fazendo passar por
Joseph Mitchell, revela o desprezível
segredo de uma dama de paus suburbana
que queria ser Catherine Millet
e se deu mal. Vale a pena!
*****

quarta-feira, 23 de março de 2011

Café no ponto

O burburinho da cidade
passa por sua mesa
sem mover uma página:
os arautos com seus atos,
as damas com seus saltos.
Ele permanece incógnito,
lendo as pedras de granito.
Lao Tsé disse:
Quando estamos contentes
possuímos todas as coisas do mundo.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Escarafacho, O Taoísta Mambembe




Escarafacho, depois de encontrar num velho sebo um livro de Pound, e de ler, numa tradução de Mário Faustino, “ ANTIGA SABEDORIA, UM TANTO CÓSMICA”,um legitimo Rikaku de Li-Tai-Po ,que Pound “verteu, convertendo em poesia moderna”o texto chinês, pensou que poderia, como So-shu sonhou,”para que procurar sentir-se como qualquer outra coisa”. Sua satisfação não foi a mesma do sábio, mas ele se deu por satisfeito assim mesmo.
Algo parecido já tinha acontecido em outro momento, quando Escarafacho encontrou Fritjof Capra meditando sobre a Dança de Shiva, o Deus hindu dos dançarinos. Escarafacho estava tomado pelos ensinamentos de Dom-Juan, o bruxo de Castañeda, e os dois, por um momento, viram “os átomos dos elementos – bem como aqueles pertencentes ao próprio corpo – e participaram da dança cósmica”.

Escarafacho costumava me ligar no meio da noite para falar de estrelas e de sonhos, que para ele, eram reveladores e apontavam saídas. No início eu achava tudo aquilo uma grande viagem. Depois percebi que era a sua maneira de estudar física quântica. Por volta do meio dia ligava novamente para pedir que eu esquecesse tudo, que nada valia a pena. E mesmo que eu argumentasse , que muita coisa fazia sentido, ele não si dava por vencido. Desligava o telefone e desaparecia. Ele estava convencido de que suas palavras jamais revelariam suas verdades. Era um taoísta mambembe.

Terça-feira de carnaval, no meio da rua, tirando a máscara de Queixa que levou para a Avenida Gov. Chagas Rodrigues, ele consegue um sinal da TIM e me liga, dizendo que está de partida para o Japão. E que eu pensasse nos hai-Kais, no Ritual do Chá, em Hiroshima e nas placas tectônica em movimento. O ocidente cairia sobre os penicos. O sinal caiu.




Li no jornal de hoje que o Piauí entrou na disputa para sediar uma usina de energia nuclear. Todos os Estados do Nordeste estão na disputa. O Brasil tem uma das maiores reservas de urânio do mundo. Tomara que tenha o correspondente em juízo. A Alemanha já está revendo sua política no setor.

Escarafacho uma vez me disse: nossa competência é radioativa, e sofre de uma corrosão natural, não podemos brincar de usinas e reatores. Melhor é pedir a saideira.

sexta-feira, 4 de março de 2011

A rabeca nanheta do Caga-dinheiro







Escarafacho pensou: mascara é um negócio bacana. Você pode ser outro sendo você por dentro. À medida que você encarna o personagem seus atos são do outro, é o outro que se ocupa de você para viver a fantasia de ser você outra criatura.
Diante do tabuleiro cheio de possíveis personagens a partir de simples objetos, ele continuava sua leitura sobre a possibilidade de transformar-se, quem sabe, ocultar o seu eu sob um rosto artificial, ou de maneira evidente expressar traços estereotipados do seu caráter. Mas ele queria mesmo o espetáculo da vida, saiu sem levar nada.
Enquanto caminhava por calçadas congestionadas de mascarados anônimos, ambulantes representando seus papéis, Escarafacho observava as vitrines com seus tipos característicos, provocando impulsos e desejos. Desejou ser Jano, com seus dois rostos contrapostos, olhando para dentro e para fora, vigiando as portas, o bem e o mal na mesma moeda. Mas Jano, uma quase rito de passagem, virara janeiro, onde todo recomeça, inclusive os sonhos de ser diferente. Não dava. Não era o caso.
Um elefante não me cai bem, pensou. Não tenho vocação para deus hindu. Montaria de soberano, símbolo de poder, sustentar o universo, não. Depois não tenho a temperança necessária para representá-lo, nem vocação para casto. E você me querer num artefato de marfim em sua sala, ou de bunda para sua porta trazendo sorte, definitivamente, elefante não.
Que tal uma máscara de dragão, muitos em um só: serpente, lagarto, pássaro, leão e ainda por cima visto na lua, sob a lança de Ogum. E o que dizer da ilustração do Apocalipse de Bamberg, que eu só sei de ouvir falar. Mas tem aquela coisa da continuidade do caos, principio de Satanás. É melhor não mexer com isso, vai que o bicho pega e me aparece um C.G Jung vendo mitos, lutas regressivas entre o Eu e sei lá que mais.
Escarafacho estava exausto daquela busca. Uma máscara, um personagem que fosse a farsa perfeita para a revelação de sua face obscura. Ele sabia que não seria fácil revelar aquilo que jamais seria. Foi aí que pensou no caga-dinheiro de Goslar, aquilo que jamais seria.Jamais estaria preso ao mundo pelos bens matérias. A cara seria a mesma, apenas as moedas seriam cunhadas sob encomenda. Cara e coroa no mesmo jato de excrementos. Cagando pra sorte.
Às pressas encomendou a um artífice uma geringonça no formato de bunda, e que movida a manivela, como os velhos gramofones, pudesse cuspir tostões, patacas, dólares, euros e reais, sempre ao som de uma rabeca pernambucana com quatro cordas de tripa, tão rangente que ao ouví-la o povo fechasse os olhos e serrasse os dentes. Na avenida só se ouvia os gritos: lá vem a rabeca ranheta do caga-dinheiro.
Escarafacho fez girar a roda da fortuna e se deu por satisfeito. No carnaval é assim: uns cagam, outros correm atrás, filosofou.